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sábado, 29 de agosto de 2015

Tudo igual, mas diferente

O seu abraço me faz lembrar dos outros, que um dia vieram, ficaram e, por fim, partiram. O seu beijo em mim se inscreve, trazendo junto mais que lábios, mais que dentes, mais que a língua, traz também teu beijo o rastro não todo claro de outros beijos que em mim se fizeram. Inevitável. Seu afago me traz outros mais. Seu olhar, abre-me uma voçoroca repleta de olhares já hoje tão impossíveis. Seu sorriso, que é só seu, abre em mim como que um filme (imprevisão de cenas e cores, de idas e vindas), você me abre tudo o que eu já tive e muito daquilo que nem sei conceber.

É só, eu penso, que meu corpo é ainda o mesmo. Carregado e maculado pelo já vivido. Ansioso sim por algo mais, algo além, algo não todo sabido. Mas é meu corpo ainda o mesmo, corpo lastro, lastrado, corpo marcado por tudo o que em mim aqui se deu. E se lhe digo que seu beijo abre mais do que seu beijo apenas, isso não é desconfiança, não é descrença quiçá pouco caso: isso é só compreensão minha de mim mesmo: eu estou cheio e, agora, em seus abraços, fico todo exposto, deixando de mim saltar uma profusão de soluços outra vez soluçados.

Um corpo quando ama é meio parecido. Faz uso de gestos muito semelhantes. Amar é um tipo de gesto, é um modo de fazer alguma coisa (o amor). Amar é tudo igual, mas sempre diferente, porque nunca se ama sozinho. E o outro, a outra parte, você (que foi você antes de ser você), você muda tudo. E o que eu já sabia se atualiza. E é num detalhe que a gente percebe como a vida é imensa e como o corpo, apesar de repetitivo, é ciranda contínua. Casa para as metáforas do peito e da vista e dos inúmeros sem jeito.

Por exemplo: uma nuca é sempre uma nuca e, mais ainda, uma nuca é sempre mais nuca quando houver junto a ela um beijo. Isso é gesto, isso é clássico. Isso todo mundo (ou quase todo mundo) pode fazer, viver e ter. Mas (e isso ninguém sabe): o que é a minha nuca no seu beijo ou o seu beijo na minha nuca? Isso nunca! Nunca saberíamos, nunca saberemos dizer. Existe um igual diferente que só o amor faz acontecer. Só o amor, apesar de tudo, ainda tão disposto aos possíveis não vindos.

Meu pai hoje cedo me perguntou o que era isso marcado no meu pescoço. Eu imaginei, num segundo, do que poderia se tratar, afinal, faz menos de um dia era você enganchado, feito sanguessuga, no meu pescoço. Ele perguntou e eu disse: o quê? Ele disse está marcado, alguma coisa marcada. Eu não soube responder, mas sugeri que talvez fosse a barba recém-feita. Ele disse, não, não é onde tem barba. E então eu tive certeza ser você. Tudo culpa sua. E então banquei o adolescente e disse: eita, pai, deve ser alguma espinha, eu ainda estou na puberdade, eu ainda tenho muitas espinhas. A pele seca, cara de pau, fingindo juventude para proteger a beleza do pescoço todo mordido pelo desejo.

Era só isso. É só isso. Tudo isso. E respiro lento posto saiba que a minha condição seja mesmo essa, para sempre (quem saberia dizer?), amar. Amar um você. Amar igual, mas diferente.

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