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domingo, 8 de março de 2015

O que gosto de pensar sobre ela

É que nela, a dor não dura mais que um minuto. Ela agora chora, mas sob o chuveiro. A água do mundo acabando e ela dissimulando dor em correnteza misturada ao sabonete sobre o corpo. Nela a dor não dura muito tempo porque ainda há vida e, nisso, há muito mais que apenas doer. Ela resmunga alguma coisa, mas é muita água. Água quente. A porta do banheiro fechada. A porta do box lacrada. Ela sozinha em casa querendo, se possível, a própria combustão. Desligou a torneira. Esfregou as mãos no rosto e escorreu o máximo de água que podia dos cabelos. Abriu a porta, pisou sobre o tapete, mirou algumas gotas de orvalho escorrendo lentas pelos azulejos verdes e sorriu, destemida.

Talvez eu quisesse ser mais jovem para sofrer com intensidade aquilo que um dia quase me levou de mim. Talvez eu chore porque a dor não frutifica tanto assim em mim. Não me dói os seios, semi-caídos. Não me dói sequer o amor já todo ido. Não amo mais. Gosto, apenas. Gosto da vida, dessa armadilha: a vida.

Secou-se pela metade. Caminhou descalça até a cozinha. Abriu a geladeira. Pegou uma goiaba e - como nunca antes - cometeu mais um novo inédito em sua vidinha: mordeu a goiaba sem antes lavá-la.

Às vezes, eu me orgulho de mim mesma.

E dormiu, no sofá, sem escovar os dentes.

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