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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Unheimliche

É como se tirar para passear
e voltar, se deixando por lá.

Tem algo de fascinante
isso de se estranhar.

Algo de muito frutífero a vir
nesse gesto brusco
- intempestivo -
de se opor ao que lhe é
familiar.

Olhei-me no espelho
no espelho do banheiro.

Peguei o barbeador
e comecei:

pela direita
depois esquerda
fui puxando pela barba
subindo
fazendo a curva
por trás das orelhas
até chegar na nuca
(hoje sem perfume).

Olhei-me no espelho e pensei:
quem se importa?
Eu também não.

Segui, dessa vez, descendo o pente
do barbeador até o número 5.

Mesmo trajeto:
direita
esquerda
subindo
e caindo
por trás das orelhas
até a nuca.

Ficou um morro capilar
uma relva negra e selvagem
no centro-topo
da minha dolorida cabeça.

Balancei a cuca
fez vento
Pensei:
já que vim até aqui
que tal realmente ir passear
para me perder
no nervo final das sinapses
que não me descansam
desde quando o dito amor foi se procurar
e nunca mais voltou?

Acendi outro cigarro
mas ele se fumou sozinho
É que eu fiquei entretido
nesse mesmo caminho:

direita
esquerda
de baixo a cima
por trás das orelhas
até beijar a nuca minha.

E então a bateria acabou
o barbeador engasgou
Pensei: tem tesoura aqui em casa
e comecei
- dessa vez desordenado -
fui tirando tudo o que havia sobrado:

o chão do banheiro
virando mata
sem dono

e eu virando balão
livre posto alado
no abandono.

Pensei: por que eu penso tanto
se o que há é somente
este fato?

Este agora

os cabelos caindo

e a vida morrendo

e, novamente, se abrindo

em torrente

viva

pulsante

e morna.

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