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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

homem vestido com mais de trinta anos sentado na areia da praia, sentindo o gelo do mar afagando o sexo murcho.

Alfredo se ergueu da cama e disse a si mesmo, sim, com voz e tudo mais: hoje vai ser diferente. Sorriu para dentro, afinal, nem mesmo ele acreditava que alguma coisa pudesse realmente se modificar. Saiu do pequeno quarto empoeirado e deixou a cama por fazer. Bateu a porta e ouviu o som do bater. Diferente, pensou. Voltou, abriu a porta e a bateu novamente. O som oco da madeira contra a madeira deu breve sentido a sua prostração. Não quero mudança que doa, isso eu não quero, se fez certo.

Desceu as escadas sentindo os pés sobre os degraus. Tudo era madeira. Os pés e também os degraus. Fazia meses, talvez anos, que a sua sensibilidade dormia, dopada por algum desgosto não reconhecível. Pisou sobre o piso frio da cozinha e pensou no que mais. No que mais ele poderia se ater para não despencar e para sempre no fundo do mundo ir morar. Não havia ninguém. Nunca houve. Que drama, pensou, eu não tenho jeito e seguiu até a cafeteira sobre o balcão da cozinha. Balcão de madeira.

Talvez a primeira mudança fosse essa, esteve certo. Matar um ou outro hábito. Como o café a cada manhã. Matar o café ou o café feito já cafeteira? Sempre se deu desculpas para continuar sendo o que não gostaria de ser, mas que era. Matar o café, ora! O café inteiro! Todo o café! O café de cada dia. Pegou o pote de café e o despejou dentro da pia, já com a torneira aberta. O cheiro de café acentuou sua confusão. Pensou, se achando esperto demais, nada é para sempre. E então foi quando olhou pela janela da cozinha em direção ao mar, tremeluzindo a alguns metros de sua casa.

Abriu o portão (e não fechou). Caminhou até a areia (descalso). Sentiu a nuca ser envolvida pelo sol (sem protetor solar). E chegou bem perto do mar (sem se permitir saber nadar). Sentou-se e mirou o infinito em forma de onda. E ali ficou, querendo talvez se tornar parte de alguma coisa outra que não si mesmo. Cansado de palavras prontas, não se permitiu se resolver em depressão, nem em angústia, quiçá se permitiu falar do amor (que não tivera). A mudança era se assumir como quem realmente era: homem vestido com mais de trinta anos sentado na areia da praia, sentindo o gelo do mar afagando o sexo murcho.

Pensou e pensar não mais parecia lhe dizer cousa alguma. Parou de pensar, mas pensou que estava parando de pensar. Pensou então mais ainda destemido, como faço para não pensar? Pensou, pensou e não adiantou. A cabeça quando se está vivo só sabe mesmo é pensar. Mas havia um desgosto das antigas, talvez fosse isso, um desgosto de quem muito já pensou e pouco saiu do lugar. Queria talvez morrer, era isso? Morrer para não pensar. Morrer para descansar e, enfim, ter direito ao sossego do corpo e do espírito.

Pensa diferente, disse a si mesmo. Pensa de outra forma, olha por outro ângulo. Você é só um jovem velho querendo entender o porquê de seu próprio abandono. Ele era só isso. Alguém que fora convencido de que não se podia ser assim, alguém de quem o mundo tirou a possibilidade de não ser cousa alguma. Então era isso. A primeira mudança seria está: parar de estar em débito para aceitar a vida tal como ela era.


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