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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Com que tipo de gesto se vence o preconceito.

Pai
Se tu soubesses o quanto teu discurso
me faz querer morrer
Talvez você viesse a se calar
para todo o sempre.

Pai
Se tu soubesses que a força que te sustenta
é a mesma força
Que extermina povos e cala diferenças
você morreria no lugar de Cristo,

Envergonhado Pai
Se tu cedesses
- uma vez que fosse -
à cor de rosa que mora viva em tua fronte
Se tu cedesses
- só por hoje -
ao rococó do embrulho avermelhado

O mundo saberia que no fundo de tudo isto
o rosa
o vermelho
o vermelho rosado
É mistério do mundo
liberdade plena
E nada mais.

Está Confuso, Pai?

Confuso?

Sua rima orgulhosa deturpa o mundo
e faz sua ignorância - evidente -
ser posta em segundo plano.

Vives, tu, Pai, envergonhoso
Entretido sobre racismos
Fortalecido em grosserias
E ainda mais macho
Sobrevives Tu
firmando abismos
entre você
e toda a sorte de gestos amenos
que possam vir a querer estar contigo.

Eu sou um desses gestos, pai

Gesto menino
Gesto miúdo
Gesto esperto, sábio, maculado já de ameaças solitárias de carinho

Eu sou um desses gestos, pai, Prazer
Sou gesto cansado
Por não ter força
para contradizer
O seu asco repetitivo

Você
Infelizmente
Ou uma
ou outra coisa:

1) És duro por ser em si
A santa ignorância.

2) És duro por ter em si
O orgulho santificado.

Com que gesto, Pai
Eu te ultrapasso e te tiro para um sorriso morno
e um abraço (nem muito) apertado?

Nossas mãos não se encontram porque você ainda é o tipo de ser que fala "viado"
Nossas peles não se esbarram porque você ainda trabalha com distinção entre "raças"
Exceto, é claro, nas suas palavras, o PRETO, que como você sempre me ensinou
desde bem cedinho
PRETO Não é raça.
PRETO Não é nada.

Que horror nosso convívio.

Luto por ele.
Luto por você.
Luto por mim.
Eu sou todo luto.

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É aí, Pai, que me esforço a tornar importante
É aí por onde escorre sua fraqueza pedindo abrigo
para se discernir e florescer

Mas não, Pai
Seu orgulho de saber mais que as pernas
O seu orgulho te cega
Te afasta
E te torna amigo apenas do Televisor.

Pai, esse é o Televisor
Seu amante
Seu familiar
Seu confidente

Pelo Televisor, nele entretido
Tu olhas os corpos das moças jovens
e eu sei, também dos meninos
O Televisor não te condena
Então a vida se torna a ti
algo impossivelmente possível

O Televisor, pai
é quem te escuta
porque assim como você
É também o Televisor surdo
e brilha
a face
surda
fingindo interesse
em humanidades.

Que gesto, Pai
posso eu fazer
para voltar a ser o filho
que nunca tive oportunidade
de lhe ser?

Estou cansado.

Vencer preconceitos exige leitura
exige escrever mundos
Devo rabiscar as paredes de casa?
O teto?
Curto-circuitar os seus filhos, os Televisores?

Não sei.

E que seja isto
- esta expressão desabida -
a força capaz de administrar
e reendereçar
minha já pseudo-ira

Eu não me importo mais.
Infelizmente, talvez só no leito da morte
- se houver -
eu venha a lhe declamar estas rimas.

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