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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Vampiro

O corpo esteve dobrado durante todo o percurso. Era como se não quisesse se dar a pista de que era sim possível mudar. Não queria. Um cansaço constante assolava o ímpeto de cada ponta de cada um dos dedos. Não mudaria. Havia prendido-se uma vez. Fora desde então vez primeira e única. Perder-se inteiro na esquina de um primeiro amor é como o suicídio: após o salto, a natureza se emburra contigo. Para sempre.

Para onde ir. Nem bem se perguntava. O sem jeito de quem sempre o tocara, agora ficara evidente. Mas tudo do mesmo jeito, tudo argumentado com o argumento que houvesse. Nenhum esforço para duvidar de um instante que fosse. O hábito tornado hálito. Deixa. Qualquer coisa. O encontro que tivemos outros também tiveram.

Perguntou-se o corpo, mas sem esforço: agora que já não tenho enzima, só memória da revolução, o que faço para mudar? Como faço para me dizer não? Não saberia. Não soube. Passou o percurso feito corpo enrustido, descobrindo para dentro o mundo vago que disseram-lhe existir no próprio umbigo. Era mentira. Tornou-se ficção. Não havia mistério dentro. Era tudo simples como macarrão. E mais: sem tempero.

Deu que num súbito moveu-se brusco e inteiro. Mas logo parou. Parou e parar é como fosse convite ao pensamento. O corpo pensou: se penso é porque me impaciento, deve ser porque algo me inquieta, algo em mim ainda solicita rua, febre, delírio e guerra. Mas parado o corpo não dança. E mesmo vendo os convites, os moços e moças que dançam e dançam, mesmo assim, mesmo assim, mesmo assim, sentia gosto de hábito em cada possibilidade anunciada.

Você está sendo sugado. Você está rodeado por vampiros. Virou peça de romance. Aquilo que de ti sugam poderia matar tantas fomes, mas em mãos de seres truculentos, nas mãos destes que te sugam, sua força põe o mundo em gavetas e estantes. Perde o mundo, o esconde. Seu humor vira mural de escola, colagem frágil de retratos do dia e nunca do obscuro que te - por dentro - move.

O corpo está na mesma posição. Desde então. Precisa de uma catástrofe para se furtar de si mesmo. Mas catástrofe natural, hoje, não há.

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