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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Para capturar o instante

Bato as cinzas do cigarro
sobre a caneca de café esfriado.
Estou de cueca rosa
sozinho dentro do quarto.
Não quero e-mails nem bate-papo
quero você que partiu faz alguns minutos.

Escrevo, meus filhos
para não esquecer o trajeto
Escrevo porque as lágrimas já saltaram
e agora salgam a pele
irritadiça.

Filhos, mais outra vez, aqui é vosso pai
Assim, sem rédeas
entregue
Sem nada
exceto a necessidade de transpor vida
em verso.

Filhos, você pai está crescendo.

Que lindo é esse movimento
de se ver desapegando-se
daquilo que noutrora era importante
mas que agora é tão menor
É tão pequeno
desprovido de fermento
Sabem?

Muita coisa passa
e é preciso que passem
Mas passam
muitas coisas
porque não têm
algumas coisas
força suficiente
para se fazer ficar.

Não, não estou triste.
Estou em movimento,
tentando compreender
como fazer dar conta
desse momento
Deste instante completo
e intempestivo
No qual só se reconhece
uma coisa:
o coração vivendo
gastando-se
tramando curvas ousadas
e cumprindo a ordem do dia
sem medo do que disseram ser o tempo.

Filhos, vosso pai está já com 25 anos
mas com alma de homem velho
e possesso (pelas iras de povos
pelas linhas de fronteiras
pelos absurdos dos sóis nascidos
antes das horas
Por tudo isso, filhos
vosso pai hoje vos reclama):

Filhos, perseverem.

Filhos, continuem.

Sigam, meus meninos
Sigam desbravando o mundo
que se anuncia pós-umbigo

O outro, meus filhos
É seu maior e mais precioso
abrigo.

Modelem-se às quinas alheias
modelem-se ao corpo outro
ao corpo imenso
pesado
fino
transponível
Durável ou não-durável.

Filho deste momento,
Você é muito sagaz e prematuro,
mas sobreviverás
porque és sincero.

Como muitos de seus irmãos
- mas nem todos -
és muito sincero.

Estou apaixonado, meu pequeno
não por ti nem por mim
nem por algo dito escondido
dentro
Não
estou apaixonado pelo outro que me tirou deste tempo

Apaixonado pela ousadia que
juntos
fizemos nascer
um nu outro.

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