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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

existir

para além das linhas hoje ela trama planos não tão futuros. sobrevive, sobre a cadeira crua sobre o chão limpo da cozinha sobre o andar inferior. há tanto ao redor e o íntimo, tímido, planeja a destruição do instante.

ela gostaria se possível ser longe. ir distante imprecisa num futuro qualquer mas possível. ela hoje lacrimeja inoperante contando os segundos para nos próximos se ver ir. assim, como quem vai e ponto: foi-se.

nada pessoal nenhum drama fora do comum. é sequer drama. ela se repele e problematiza: se você tivesse uma pia cheia de louça suja a sua loucura seria mais branda. mas hoje a casa dela resta limpa e precisa. cada coisa no seu pote. cada brilho na superfície imaculada. ela arrumou tudo,

mas sobrou sobre a cadeira no andar superior querendo quedar.

venta aqui fora. venta de leve, mas venta. e nisso, movem-se as copas – todas – das árvores todas – também das gigantes – se move o mundo e por conta de todo esse movimento o mundo também dança e as folhas recitam – silenciosas – o encontro: a possibilidade.

o forno estala. sem bolo nem torradas nem nada. ela ali sobre a cadeira no andar superior contempla o calor do forno vindo em sua direção. por que faço isso comigo? ela se pergunta sem dizer sim nem não. ergue-se,

não. ela se levanta. dobra o pano de prato e o coloca sobre a mesa de madeira também crua. que vida crua, pensa olhando através da janela. o vento lá fora zomba de tudo aquilo ali dentro aprisionado. o vento lá fora zomba de mim.

desliga o forno. improvável. não é isso. ela se diz não ser nada daquilo. mas, depois pensa, aquilo ali não é nada então de que adianta todo esse show. ela se senta novamente sobre a cadeira querendo, se possível – uma vez – que seja! – ser desligada. como a cafeteira. se olham.

negra. retinta. limpa e preparada. ela criou esse hábito de terminar de passar o café (na cafeteira) e tão logo colocá-lo todo numa só caneca. ela não usa xícaras (acha xícara uma coisa triste). ela lança o café para dentro da caneca e o tempo do esfriar é o mesmo de limpar a jarra de vidro, retirar o filtro com pó e repor novo filtro com novo pó. ela desliga o botão e sabe que da próxima vez que o apertar: será novo início de novo café.

é chegada a hora. o vento lá fora. eu aqui dentro estatizada. que foi que fiz de mim que às vezes eu não funciono nem quero nada. ela se vê no vento lá fora refletida. está tudo certo, se diz sem chamar a si mesma muita atenção. ela aperta o botão

e senta. e se levanta. e tenta não se dar importância. os eletrodomésticos todos limpos anseiam o seu amor, que não vem. a cafeteira, galante, vai dizendo em lingua ruidosa a odisséia de ser amada.

o café respinga retinto.

e lá fora o vento pára. ela percebe. ela abre a janela. e grita, descompensada: o café tá na mesa!

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