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terça-feira, 6 de abril de 2010

ou a constatação da perda.

eu me perdi do caminho. ou foi o caminho que de mim se perdeu? levantou da cama, abriu a porta do quarto. o mesmo quarto de tantas vezes antes daquela. desceu as escadas, as mãos lambendo o corrimão de madeira. pousou os pés no chão da sala, cruzou o espaço vazio em direção à cozinha. pensou como sou óbvio e começou a preparar o café da manhã.

era meio de tarde, é verdade. olhou pela janela mas o relógio tragou sua atenção de volta. à parede. olha. são 15h15. hora improvável. hora sem graça sem nada hora dura sem nada. isso. hora sem nada. agora não toca música, agora não late cachorro, não toca telefone, nada. acontece nada. e ele ali fazendo o café. os pés nos pés do chão. aquele encontro. que também era nada. que dia era? onde estavam todos? a casa povoada é sempre a mais silenciosa. todos falando em escondido.

abriu a gaveta. onde estava? onde está? mexe. mexi. mexeu. move para lá para cá. bate. importa bater a gaveta e fazer do som um grito um apelo. alguém me escuta? alguém o escutou. mas não disse nada. dentro de casa certas coisas funcionam somente em silêncio. em segredo. bateu o armário, bateu nele o dedo. espremido na procura pelo o que mesmo? eu estava procurando o que mesmo? o quê? sentou. sentou-se. na bancada. o café acariciando seu sofrimento. eu não sofro. o café acariciando seu momento. eu não sofro. não sofro. sofro.

saltou da bancada. puxou a garrafa. de vidro. quente. apoiou no mármore frio da pia. espatifou-se só de encontrar. o frio esbarrando no calor incapazes de socializar. metade café por sobre o mármore branco tingindo de preto as horas. metade escorrendo para dentro da pia ele puxou a caneca e a colocou dentro. debaixo. o café caudoloso como rio caindo feito corredeira para dentro da caneca. dentro da caneca. sabia que poderia se cortar. optou por se cortar. para ter certeza de que sabia alguma coisa.

avançou com a caneca escada acima. parou. os pés no degraú. quantas vezes fizera aquela mesma ida? quantas vezes numa mesma investida? quantas? hein? parou. o corpo vertido, virado, mexido, olhando do meio da escada para a sala em silêncio contido. olhou. sabe aquele momento em que tudo vem e nada fica? aquele momento em que nasce inteira uma poesia e pfuh? se acaba? foi ali. no meio da escada. que ela nasceu e se perdeu. que ela flertou com o cara, o rapaz, o homem, o menino, o ente perdido. ela veio e com ela o levou. ficou seu corpo cheirando a café. os olhos brilhando tal qual os pedaços de vidro dentro da caneca. avançou.

lá fora os carros se moviam. algumas coisas aconteciam. quis ouvir um piano. quis ouvir alguém que dissesse mais alto que ele eu não sei. eu não sei. quis chorar. quis correr. quis tanta coisa que eu nem sei agora dizer. não importa. os pés descalço. lá fora os carros buzinando. os sons acontecendo plenos e tudo fazendo o que se faz. tudo seguindo. tudo em família. em movimento. em ruína. atravessou. bateu a porta em silêncio. sentou-se sobre a cama e o dia já então não parecia querer mais ter sentido.

bebeu o café esmaecido num só gole. para dentro também desceram os pedaços de vidro. eram cacos. eram seguros, homeopáticos. alguma aventura possível ao estômago. algum divertimento. alguma qualquer coisa. ih, gente, pensou. vai ser divertido acordar retalhado. dormiu. em breve, vai acordar com fome. e ainda assim, a mesa não estará posta.

ou a constatação da perda

Um comentário:

Caio Riscado disse...

- dançou dez vezes a mesma música e só na última tirou alguém para dançar.
- explicou todas as doenças que já teve, das mais sérias a mais breve. no final, disse a todos que morreria da memória.
- depois da morte da mãe passou a pentear os cabelos dez vezes ao dia no mesmo tempo-ritmo. quando os seus acabaram passou a comprar uma boneca por dia para poder repetir a ação.
- arrumava as gavetas sempre da mesma forma. depois que o telefone tocou resolveu começar a arrumar os seus sentimentos.
- gostava de se tacar o chão. muitas vezes para sentir a dor que este movimento era capaz de provocar. quando ganhou de natal um colchão, se tacou pela janela.

são questões que me interessam.
histórias de uma mesma casa e família.
vc disse que era pra eu escrever.
vamos jogar?
lov.

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