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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Eis o silêncio sob o qual repousa a humanidade.

Eu estou sentado faz horas diante do computador. Eu já li sobre o kitsch, eu já li sobre um dramaturgo australiano. Eu já me ergui, peguei café, já me ergui, urinei. Hoje mais cedo eu tomei banho. Eu comi realmente bem umas três vezes. E belisquei, feito galinha, os milhos espalhados pela casa. Comi uma barra de chocolate amargo. Eu diriji trinta vezes o carro. Fui comprar morangos, creme de leite, batata palha. Eu saí hoje mais cedo mas continuei pregado, em você, você que ultimamente só me atrapalha.

Olha o que você foi fazer: ou faço coisas pensando em você ou penso em você e não faço coisas. O pão mal cortado de manhã foi culpa sua. A cúpula azul espatifada do quarto da minha mãe, cúpula secular, partiu num segundo concretizando a metáfora do meu coração. Culpa sua. Eu vou dizer a ela que foi você quem me roubou de mim e me avassalou. Isso não se faz, isso não é justo, eu dormi ontem abraçado à árvore de natal, piscando mais veloz que o pisca-pisca. Está complicado. Não há paz. Olha o que você me fez!

Eu estou bobo, besta, baixo, bruto, barbudo. Eu estou crente, cumulado, ciente, consciente, mas com o coração cheio de vazio. Vazio de tão cheio. Mexendo no meu peito e me tirando o sono. Eu não sabia, eu confesso, mas até então eu não sabia que se moviam os corações. O meu tá viajando, cara, me ajuda. Faz ele parar! Hoje eu acordei e ele estava gritando dentro do banheiro. Eu disse, Coração, você tá louco! e quando cheguei lá, ele me mandou calar a boca.

Gente, pára o mundo! O meu coração, na borda imunda do vaso sanitário, com os braçinhos já erguidos, pronto para o mergulho, me disse com clareza impossível de precisar: Cala essa sua boca imunda de beijo. Eu vou me suicidar!

Eu gritei espera! Ele disse para eu não me aproximar. Colocou a mãozinha sobre o ventrículo esquerdo e disse a mim, com estranha devoção e naturalidade, Eu vou explodir!

Cara, ouvindo isso, na boa, fui eu quem quis me estrepar. Chutei o anão escarlate contra a parede de azulejo do banheiro e enfiei os pés pelo vaso adentro, fui desentupindo o meu desespero, morrendo por partes, primeiro pés pernas pêlos, morri a cintura, já tinha morrido os joelhos, o pulmão já quase cheio quando a boca... Esta boca, Jesus! Aquela boca que ficou em você e nunca mais em mim. Ela já ia se afogando quando apertei a descarga e me senti naufragar. Me senti TITANIC, morrendo congelado de amor...

Mas a filha da puta daquela mãozinha escrota me puxou para cima. Aquela mãozinha feita de veia, artéria, suja de vaso, sanguínea, me puxou pelos cabelos. Caralho, fiquei muito puto! A mãozinha - puta que pariu! - abusada do caralho! - me puxou pelos cabelos. Ela me puxou e me tirou do vaso, eu já todo cagado, destruído e magoado e ainda gritou comigo! Cuspindo o meu próprio sangue em minha própria face,

Carlos! (Eu disse, seu coração escroto eu sou Diogo, não Carlos...). Mas fui cortado, veementemente vetado, ele disse, Cala essa boca, sossegue! O amor é isso mesmo. Num dia amas, no outro continua amando e no outro amarás inda mais. Amar é isso mesmo. É se colocar em abandono. É se desperdiçar. Agora, sossegue, controle essa glicemia, vai tomar sua insulina, vai ler O TEATRO É NECESSÁRIO?, fazer um filme, vai cortar o cabelo, vai bater a cabeça no poste e culpar Jung Freud e Lya Luft. Mas volte torto, fudido, louco, que o nosso abraço então vai ser mais do que necessário.

Aí, tá, né? Samuel passou pelo corredor que ligava meu quarto ao banheiro e disse: Eis o silêncio sob o qual repousa a humanidade. Eu quis falar caralho Velho escroto do caralho, vai tomar nesse seu cu cheio de vazio, mas Beckett estava certo. Filho da puta, ele coagiu meu coração desde o início.

Então eu o peguei. Assim como você fez comigo. Eu lhe disse, vem aqui, deita aqui. E o fiz acreditar que em mim ele poderia sim deitar, porque sim, ele podia. E encostei ele ao meu peito, se lembra? Passei os braços por trás, apertei levemente, como se quisesse dizer, somos uma coisa só, vês? Ele arrotou de susto. Não foi arroto não, isso dá nojo, foi soluço. Engasgo, sei lá, comoção. Ele então deu uma tremida rápida e depois voltou para casa. Adormecido pela canção que a nossa lembrança cantava.

Mas eu não vou aguentar isso todos os dias. Toda manhã acordar e me ver partido, o peito aberto, o coração flertando o precipício. Preciso de uma mão rondando meu peito e impedindo ao corpo ir se desfazer.

Se se morre de amor?

Se eu for dizer que sim, será texto sem fala. Será verbo executado. Será beijo sem estalo. Será tiro sem o amargo. Será tudo lindo e concreto. Assim, direito. Assim, direto, como o que você tem feito a mim ultimamente. Por isso eu grito aqui com você! Grito eu e meu coração, ambos de banho já tomado, eu lhe grito, Obrigado! Nunca amei tanto o terremoto sobre o qual me sinto erguer. Me sinto ser. Ser erguido, impelido, impulsionado a viver.

Ai ai ai,
que merda,
olha só o que você me faz dizer.

Encheu minha vida de poesia. Agora tenho eu muito mais amor do que pode caber numa livraria. Não vá portanto achar que eu sou over. Eu sou mais que isso. Não vá achando que sou incapaz de domar este prazer. Porque eu sou, incapaz. Eu estou. Sou ser suscetível, poxa, eu


estou
com vontade de





























você.

Mas inda sei ser. Eu sei. Sei ser o que é preciso ser.
E estou aqui, feito página em branco para os seus
os meus os nossos
d i s p a r a t e s .
    

Um comentário:

Dominique Arantes disse...

INcrivel!!!

cheio que humor , ironias e verdades.

amei.

um beijos

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