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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Na sala com paredes de gelo... Nevoeiro.


ENCLAVE
Ele abre a porta. Ela ali dentro. Os dois se olham por um segundo. Ele avança.

Ele – Então terminaram a pintura?
Ela – Tudo pintado a gelo.
Ele – Ficou novo.
Ela – Como se fosse a primeira vez.
Ele – Falta alguma coisa?
Ele – Eles chegarem. 

Silêncio.

Ele – Que bom que você pôde vir.
Ela – É do meu interesse.
Ele – Do nosso. (Pausa) Você está bem?
Ela – Eu estou aqui. Isso basta. E você?
Ele – Ansioso. Eles não devem se atrasar.
Ela – Já estão atrasados.
Ele – Vamos esperar um pouco mais.
Ela – Esperar não me incomoda.
Ele – Mas é melhor resolver tudo isso o quanto antes.
Ela – Será que eles vão desistir?
Ele – Não, eu vou ligar.
Ela – O sinal do celular.
Ele - Tudo bem. Deixe isso comigo.

Ele sai. Ela fica com os documentos, folheia algumas folhas e depois senta-se sobre elas no chão. O olhar fixo no lado oposto da sala. Ele volta.

Ele - Eles não virão hoje.
Ela - Pensei que fosse do interesse deles.
Ele - Estão resolvendo o que falta da documentação.
Ela - Você falou pra eles que era apenas uma visita pra conhecer o apartamento?
Ele - Eu disse. Mas ele me disse que a mulher quer fazer tudo certinho.
Ela - São casados?
Ele - Acho que noivos. Disse que esse é o apartamento dos sonhos.
Ela - (mordaz) Do que é que essa gente acha que os sonhos são feitos? 

Silêncio.

Ela - O que foi?
Ele - Nada. Eu é que preciso ir.
Ela - Espera. Como a gente vai fazer?
Ele - Eu ligo pra ele amanhã. Vou dizer que tem outro casal interessado...
Ela - Ele não vai acreditar. Não existem mais tantos casais por aí.
Ele - Tudo bem. Eu falo qualquer outra coisa. Você vai descer agora?
Ela - Não. (Irônica) Vou me jogar pela janela depois que você pegar o elevador.
Ele - Está bem. Antes de ir, passe a chave por baixo da porta. Boa noite.
Ela - Espera.
Ele - De novo?
Ela - A sala.
Ele - O que é que tem a sala?
Ela - É melhor você olhar.

Ele vai até o canto oposto da sala e puxa um enorme lençol coberto por poeira. Sob ele, uma imponente prateleira carregada de livros é revelada. Nevoeiro na sala com paredes de gelo. Os dois observam a prateleira em profundo silêncio.

Trecho inicial da peça ENCLAVE.
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