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quinta-feira, 24 de julho de 2008

Quadrilha - Primeiro Movimento

João - Eu sou daquelas pessoas que só lava a louça depois que usou a última colher limpa tentando cortar um pão. Que se limpa com o rolo, vazio, do papel higiênico. Sou do tipo que só resolve uma treta quando ela já tomou conta. Eu preciso me explicar?

(Surge Vanessa caminhando em sua direção).

João – Preciso? A questão é... Eu pensei muito sobre o que eu ia falar, quase ensaiei. Mas, depois eu cheguei à conclusão que entre a gente o que vale é a ser sincero. Não é?

(Ela se vira para frente, sem olhar para ele).

Vanessa - Não. Eu só me fodo sendo sincera! Eu lembro até hoje... No dia que resolvi falar com o João, ele tava vindo na minha direção, nem me conhecia. Foi quando eu decidi que a gente ia namorar.

(Os dois, agora, frente a frente).

João - Licença?
Vanessa - Não.
João – Oi, como é?
Vanessa - Não tá lembrado de mim?
João - Nunca vi na vida, minha filha.
Vanessa – Então, já que você não lembra, eu vou ter que dizer tudo.
João – Tudo o que, minha filha?
Vanessa – Como é grande o meu amor por você.

(Ele se desvencilha dela. Os dois agora não se olham).

João – Foi isso o que ela disse! E ao invés de eu lembrar que tinha dentista, dei macaco pra banana. Pensei: ela é bonitinha, não vai fazer mal. Mas o que é o tempo, não é? Eu demorei pra descobrir que as bonitinhas são as piores. Quando a gente se conheceu...

Vanessa – Eu fui sincera! Tava na moda. Sinceridade era uma iniciativa TV Cultura! Tava se usando a beça. Não precisava nem me pedir, eu já ia dizendo. Gostou da minha peça de teatro? Não. Podemos ser amigas? Só você, ela não. Era assim! Sincera do início ao fim. Moço esse risole é de ontem. Não senhora. Não senhora uma ova! Esse risole é de ontem sim, porque diferente dele, eu não nasci ontem! Então você me faz o favor de trocar por um risole de hoje. Entendido? Entendido. As coisas se acertaram. Tudo se encontrou.

João – Ela parou na minha frente. No início achei que era louca. Mas o que é o tempo, não? Depois tive certeza. O fato é: eu fiquei ficando com ela durante um ano inteiro. E agora eu tô procurando desculpa pra terminar com alguém que eu nem namorei!

Vanessa – Foi lindo! Ele ficou sem ar! Eu fui sincera, só isso. E quem resiste ao que é sincero? O amor é sincero. Quem resiste ao amor?

(Os dois frente a frente).

João - Como é grande o que, minha filha?
Vanessa - O meu amor. O meu amor por você é grande.
João – Deve ser sim...
Vanessa - Espera moço. Não vai me dar nada?
João – O que? Você quer um bilhete de integração do metrô?
Vanessa - Não! Eu quis dizer... Um beijo.
João - Quem?
Vanessa - Me dá um beijo?

(Ele desvia-se dela, envergonhado. Ela, vitoriosa).

Vanessa – E me beijou. Tô falando! Sinceridade vale mais que dinheiro. Compra tudo.

João – Tá, eu dei um beijo sim! E podia ter parado ali, mas como eu sou ingênuo. É igual cigarro! Você fuma um. Aí começa o segundo pensando, esse vai ser o primeiro e último cigarro da minha vida. Eu não consigo ficar malicioso! Eu tento! Eu penso perversão, eu vejo Jornal Nacional, eu assisto Rebelde!

(Ela tira um bombom de dentro do casaco).
Vanessa – Trouxe pra você!
João – Mas você nem me conhece!
Vanessa – Mas eu sempre te vejo passar. Sempre fico olhando. Sabe o que eu sempre faço na hora do almoço?

João – Janta?
Vanessa – Como você com os olhos. (Meiga) Quer um pedaço?

(Ele apanha o bombom e dá uma primeira mordida. Depois pára, em pânico).

João – Você fez esses negócios de traz a pessoa amada em três dias? Fala pra mim! Porque se você fez, eu vou ter que te dizer que isso não é legal. Poxa! Quando te conheci cheguei a suspeitar do bombom, porque as pessoas dão bumbum por aí, agora bombom?! Não! Isso é demais! Macumba é sacanagem comigo!

Vanessa – Você duvidou do meu bombom? Meu bombom é sincero. Ele não mente. Meu amor é sincero. Você duvidou do meu amor? Olha nos meus olhos! Vê se eu tô te macumbando, vê! Eu tô limpa, tô pura, eu sou sincera!

João – Até demais, minha filha! Até demais! Têm coisas que a gente não fala e nem faz. Você precisava perguntar pra minha mãe se ela tinha medo de me perder pra você? Precisava dizer que teve vontade de dar veneno para o poodle dela? Eu não quero mais saber quantos cravos tem no meu rosto! Eu não quero mais ficar com você!

(Silêncio)

João – Você não vai falar nada?
Vanessa – Tudo bem.
João – Que papo é esse? Você espeta o meu voduzinho e diz que tá tudo bem? Não tem nada bem aqui, minha filha. Se as coisas estivessem boas eu estaria em Ibiza investindo em prostituição.

Vanessa – Tudo bem.
João - Então, tá! Tudo bem eu terminar com você?
Vanessa – Fica tranqüilo, eu não vou terminar com você...
João – Porra, você ficou louca, porra?
Vanessa – Não... Tô pensando na nossa música...
João – Não tem mais nossa, entendeu?
Vanessa – Eu gosto do refrão e você?
João – Que mané de refrão porra nenhuma, minha filha!
Vanessa – Quão profundo é o seu amor por mim?
João – O quê?
Vanessa – How deep is your love to me?
João – Profundo? Porra, o meu amor pode ser do tamanho de um morrinho, de um vale ou erosão, até uma voçoroca. É sério, pode ser do tamanho de um planalto, agora profundo como precipício não! Lidar com abismo é coisa de suicida, minha filha!

Vanessa – Então, cai pra dentro!
João – Meu Deus!

Um comentário:

Luciana Garcia disse...

Adorei! Acho essa linha bem a cara de tudo que a gente conversou aquele dia. Acredito que vá ficar bem legal...

Bjão!

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