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quarta-feira, 9 de julho de 2008

Destino aos Filhos


Eu me perguntei, depois que os permiti e incentivei a ida ao mundo.

Fiquei um segundo sentado, como numa pausa, o cigarro consumindo-se sozinho. E eu cabisbaixo, pensando no rumo dado aos filhos recém-criados. No rumo dado ou, talvez, devo reconhecer, na falta de rumo.

Muito silêncio foi necessário. São filhos que nascem por força, por fórceps. Filhos que não aceitaram o passar para trás, o deixar-se menos ou mais. São tão sinceros. São chatos de tão éticos. Exigem de mim o que um dia perceberão: que é impossível ser utópico.

Mas carrego seus desejos. Escrevo seus lampejos. Dou vazão a todas as suas idéias, sem medir qualidade, sem medir nada exceto a pureza de suas vontades.

Falando da tia fulana

Outro dia um veio e me perguntou,
Pai, porque a tia não olha para mim?

Eu olhei bem seus olhos e respondi,

A tia fulana não tem tempo para olhar seus olhos. Se ela assim os visse, como eu vejo agora, talvez se orgulhasse do parentesco. Mas não há nada. Você não precisa ser olhado, precisa mesmo é olhar sua estrada.

Ele não se satisfez. Olhei duro para ele até que se contentou, pela metade,

Tudo bem, então. Mas você olha, né?

Sim. Eu sempre olho. Todos vocês. Sempre olhos os filhos que de mim vieram a ser. Volto lá atrás e vejo a cara de um que já nem é mais o que é, pois depois que nascem, mudam a cada dia. Depois que chegam, pegam noutras mãos e respiram outras agonias.

Sofrimento de pai

Só mesmo quem é pai para saber desse sofrer. Triste e engraçado é perceber que quando falo para eles, através deles, sinto-me o homem mais forte. Tenho em mim a sensação do saber eterno daquilo que quero ser. De quem desejo ser. E assim eu permaneço, até durar o nosso gracejo.

Dia dos pais

Assim como o outro, veio noutro dia um menor. Perguntou-me como se já não soubesse,

Pai, que dia que é o dia dos pais?

Eu brinquei, fingindo estranhar,

Dos pais ou do pai?

Ele ficou sem graça, achando ter me magoado,

Não, pai! Eu quis dizer, o seu dia. Quando é?

O meu dia, eu disse, é toda a vez que um de vocês chega até mim.

Assim? Do nada?

Sim. Mesmo que seja para pedir...

Posso?

Não, filho. Hoje não!

Tá vendo? Tá vendo? Você nunca deixa.

Eu deixo... Mas...

Ai, pai. Chantagem não vale.

Vale sim. Vale tudo. Você pode ir, desde que venha aqui...

Diga...

E me conte um verso secreto.

Outro?

Sim. Sem preguiça. Vá, depressa.

Eu não sei.

Como não?

Eu posso dizer uma palavra invertida?

Você inventou isso?

Não. Você sabe que foi o senhor.

Senhor Deus?

Não, pai. Pára! Foi você.

Ah, sim. Deve ter sido.

Então... A palavra invertida é ódio.

Nossa mãe...

Você quis dizer amor, tenho certeza.

Tem certeza?

Sim! Agora deixa eu ir!

Vá! Mas da próxima vez só irá de novo se me contar...

Um segredo...

Não. Se me der um beijo.

Ai, saco.

Despediu-se sem jeito, escondendo na presa a felicidade de ser amado por inteiro.

Narcisos brincam no rio

E eu ali fiquei pensando, como me tornei previsível. Meus filhos já nem se alegram tanto quando conhecem um novo coelho em nosso ninho. Todos com cara parecida, todos com as mesmas rimas. Talvez precisem de uma mãe, de outra mão. Não sei. Sou pai de primeira e única viagem. Pai para sempre.

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