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domingo, 4 de maio de 2008

(Caule, Raiz, Voar, Chuva e Limbo)

A irmã mais velha vai longe, levando consigo uma mala, muito puída. A irmã menor vem atrás, mas sem ser vista, apenas observa o jeito e o porte da mais velha, o modo e o gesto que a torna tão singela. A irmã mais velha estaca, sente uma coisa a travar. É seu peito que ecoa, parece não suportar. Não suportar o não saber: se se vive ou se se é para morrer. Mas ela persiste, falto pouca para chegar. Se não olhasse para trás talvez pudesse ir voar. Mas olhou. E viu, na espreita, a pequena mais nova, no vestido encurtado, com os pés descalços. Ela viu, o laço que a fez parar.

Para onde você vai? Por que você veio? Eu quero ir com você! Você não pode! Eu prometo me comportar! Não quero que você chegue lá. Onde é lá? Na ponte. Qual ponte? A ponte mais alta. Eu não tenho medo de altura. Eu tenho. Então por que você vai? Por ele. Quem? Esquece. Deixa? Não. Eu sou sua irmã mais nova, você tem que cuidar de mim. Só se você carregar a mala, até o fim, sem soltar a alça, sem abrir, sem reclamar, sem dizer, sem nem me lembrar que você me segue. Tudo bem, eu só quero ir com você. Então pegue, está pesada. Não, não está. Vamos andando, eu quero partir junto com a tarde de hoje. Tem ônibus nesse horário? Na ponte você escolhe o horário que quiser para partir.

Elas andam. A menor sempre atrás, carregando a mala, sem pestanejar. A mais velha adiante, olhando a frente de seu duro semblante. Aos poucos, porém, a mala começa a pesar e a pequena a distanciar. Espere, irmã. Eu disse que estava pesada. Mas não estava no começo, o que aconteceu? Não posso explicar. Não corra, me espere, eu quero ir com você. Não solte a mala, foi o combinado. Espere! Eu te amo. Não me deixe aqui! Você ouviu? Irmã? Eu te amo! Irmã, eu já não posso agüentar. A mala então volve ao chão e de dentro dela pula fora um embrulho pulsante. Distante, a mais velha chega à ponte. O embrulho sozinho quer-se abrir. A mais velha se endereça então ao infinito do mar. Do embrulho um coração grita, grita, desespera e sai. Para em seguida, explodirem os dois corpos rumo ao sempre.

A mais nova, assustada, retira daquele meio o embrulho sujo a vermelho. O que envolvia o coração eram palavras, escritas num embrulho de pão. Como pôde estar tão pesada? Ela lê. Sua voz oscila e sua rima imprecisa. A caligrafia é corrida, é feito navalha. Já não diz nada fora do rumo das veias que agora são rios no mar. Ela resta sozinha e começa a chover, não sem antes guardar a carta ao peito e plantar no chão as sementes daquilo que um dia foi um coração.

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